domingo, 4 de julho de 2010

"O Anjo de Darwin", de John Cornwell

"O Anjo de Darwin: uma resposta seráfica a Deus um Delírio" - John Cornwell
Imago Editora

Li recentemente o livro "O Anjo de Darwin: Uma crítica seráfica a Deus, um Delírio", de John Cornwell, publicado pela Editora Imago. Todo a obra funciona como um conselheiro seráfico (de serafim, angelical) ao autor de Deus, um Delírio. Com esta proposta, Cornwell não se propõe a defender cegamente a religião ou a se colocar em defesa dos dogmas estabelecidos, mas se põe a favor de uma convivência pacífica entre ciência e religião, fato este que, para o fundamentalismo de Dawkins, parece impossível e indesejável.

MEUS DESTAQUES:
"Algumas palavras, agora, sobre sua Utopia. Você fez uma pro­messa entusiástica de felicidade definitiva, contanto que seus leitores confiem em você. Você quer que eles acreditem em um paraíso que será deles quando a religião finalmente for varrida da face da Terra. Você lhes oferece uma versão da famosa canção de John Lennon, "Imagine":
"Imagine... um mundo sem religião. Imagine o mundo sem ataques suicidas, sem o 11/9, sem o 7/7 londrino, sem as Cruzadas, sem caça às bruxas... sem as guerras entre israelenses e palestinos, sem massacres sérvios/croatas/muçulmanos, sem a perseguição de judeus como 'assassinos de Cristo', sem os 'problemas' da Irlanda do Norte... sem o Talibá para explodir estátuas antigas...”
Sua lista me parece bastante boa (embora alguns dos seus exem­plos possam ter sido o resultado de tensões seculares), mas ela omite dois períodos catastróficos da história recente: a União Soviética de Stalin e a Alemanha de Hitler. Talvez devêssemos nos preocupar o rato de o stalinismo e o nazismo terem revelado o tipo de mundo que surge quando a religião concorda não simplesmente com qualquer coisa, mas com a ciência como ideologia, combinada com ateísmo militante?
Você pretende de fato substituir a religião pela ciência, não é mesmo? "Se o desaparecimento de Deus deixar uma lacuna," você diz a seus leitores, "... Meu caminho inclui uma boa dose de ciência, o empenho honesto e sistemático de descobrir a verdade sobre o mundo real." Estarei eu detectando aqui um eco das palavras de Cristo: "Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida"?
[...]
Não deveria nos preocupar, no entanto, o fato de a ciência triunfalista ter se associado, no século passado, ao totalitarismo? Não deveríamos nos inquietar, mesmo só um pouquinho, por a ciência ter sustentado filosofias políticas que visavam escravizar a humanidade em lugar de promover a liberdade? Seria talvez o caso de rsiarmos ansiosos com relação às tecnologias que a ciência gerou, causando a poluição do planeta a ponto de ameaçar sua própria sobrevivência? E o que dizer das armas de destruição em massa? Quanto às explicações, temos aquelas que as filosofias "cientísticas", materialistas e deterministas apresentaram defendendo a desconstruçao da pessoa humana e do livre-arbítrio. Não deveríamos estar preocupados com tudo isso num mundo baseado na ciência e no ateísmo militante?" (p. 75-77).
...
"Você informa a seus leitores, com o nítido desmentido — "talvez por ingenuidade" — que tendeu para uma visão menos cínica da natureza humana do que a de Dostoievski. "Será que realmente preci samos de policiamento — seja feito por Deus ou por nós mesmos — para que não nos comportemos de modo egoísta e criminoso? Quero muito acreditar que não preciso dessa vigilância — nem você, caro leitor."
Parece que há um mal-entendido entre você e o grande escritor, talvez em decorrência de sua interpretação equivocada da sua obra; talvez por você ter comparado antecedentes com experiência de vida. Você nunca passou uma temporada na prisão. Você caminhou, em jornada sem acidentes, do ensino elementar para a escola secundária particular, até Oxford, onde foi residente em boa parte de sua carreira e onde você consolidou sua visão essencialmente otimista do mundo.
Dostoievski começou a escrever Os irmãos Karamazov em 1878, aos 57 anos de idade. Ainda em criança, sofreu a perda de seus pais (acredita-se que o pai foi assassinado) e na casa dos 30 esteve preso por cinco anos, incluindo vários meses no corredor da morte e quatro anos em um campo de trabalhos forçados. Era epiléptico, e sua saúde mental sofreu por ter sido submetido a uma execução simulada, ficando diante de um pelotão de fuzilamento para ser liberado só no último instante. Seu crime foi pertencer a uma sociedade secreta de cunho liberal.
Dostoievski teve experiência direta com o sofrimento e a tragédia em altas doses: um campo de trabalhos russo, em meados do século XIX, superlotado, onde faltavam alimento e higiene e abundavam piolhos e doenças. Já na casa dos 40 tentava entender o sentido de toda aquela perversidade e violência, à luz da influência das ideias que vinham do Ocidente, que incluíam o Utilitarismo inglês de Bentham e Stuart Mill, o Marxismo Utópico e um conjunto de ideias que você teria aprovado — Darwinismo Social. Dostoievski também lutava para compreender como o cristianismo podia resistir ao novo Niilismo Russo (que rejeitava todas as formas de religião, moralidade e política). Os conflitos e tensões entre essas ideologias rivais e a religião são, com efeito, dramatizadas em detalhes em seus grandes romances".

É isso!

Fonte:
"O Anjo de Darwin: uma resposta seráfica a Deus um Delírio". John Cornwell. Imago Editora. São Paulo, 2007, p. 64.

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